Ontem liguei o carro no piloto automático e acabei à tua porta. Não foi de propósito, muito menos premeditado, mas dei por mim já lá estava, o carro estacionado no sítio onde tantas vezes estivemos os dois, e lá fiquei durante um tempo que a mim me pareceu pouco e que foram quase duas horas. Sem fazer nada. A ouvir música, a olhar para os candeeiros de rua, principalmente aquele com a lâmpada meio fundida que de vez em quando se apagava.
Imaginei que se viesses à janela - e já agora, porquê, se a tua janela dá para o outro lado da casa? - te ias chatear por eu estar ali. Isto na melhor das hipóteses. Se calhar nem reconhecias o meu carro. Olha, eu reconheci o teu, e sei que estavas em casa, portanto por duas ou três vezes tive uma vontade estúpida de sair, ir tocar à tua campainha e pedir à tua mãe - desculpe tocar à campainha a esta hora tia, mas posso entrar? - para falar contigo. Era um bocado inútil porque na verdade não tinha nada para te dizer. Já não tenho. Não sei se é bom ou se é triste. Não sei se é por ser hoje. Ou do TPM ou um derivado. Comecei a escrever-te qualquer coisa mas depois desisti. A única poesia que mereces é a de um soco nos dentes.