JOANA: Acalmar é claro… é dever do injustiçado manter sempre a cabeça fria, a qualquer custo. Enquanto que a raiva, é um privilégio do injusto, por isso é que você tá tão qualificado a gritar comigo e pedir calma em resposta.
JASÃO: (…) Acabou-se a partida, não deu, paciência… Cada qual vai pró seu canto, chora um bocadinho e depois de mais um tanto começa a sua vida de novo…
JOANA: Eu, vaidosa, orgulhosa de ti, Jasão, era feliz, eu era feliz, porque o que eu não imaginava (…) é que estava desperdiçando o meu alento, estava vestindo um boneco de farinha.
JASÃO: Você é viagem sem volta, Joana. Agora eu vou contar pra você, sem rancor, sem sacanagem, porque é que eu tinha que te abandonar: Você tem uma ânsia, um apetite que me esgota. Ninguém pode viver tendo que se empenhar até o limite de suas forças, sempre, pra fazer qualquer coisa. (…) Só que, Joana, a vida também é jogo, é samba, é piada, é risada, é paz. Pra você não, Joana, você é fogo. Está sempre atiçando essa fogueira, está sempre debruçada pró fundo do poço, na quina da ribanceira, sempre na véspera do fim do mundo. Pra você não há pausa, nada é lento, pra você tudo é hoje, agora, já, tudo é tudo, não há esquecimento, não há descanso, nem morte não há. Pra você não existe dia santo e cada segundo parece eterno. Foi por isso mesmo que eu te amei tanto, porque, Joana, você é um inferno. Mas agora eu quero refresco, calma, o que contigo nunca consegui, nunca, nem um minuto.
- Chico Buarque, in Gota d'Água
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