Friday, October 08, 2010

o maior devaneio da história.

O Rui Veloso dizia que não se ama alguém que não ouve a mesma canção. Então e quem ouve?
Quando o vi, pensei que já o tinha visto em qualquer lugar. Em qualquer lugar não - exactamente ali, no mesmo sítio, há 5 meses atrás, mas aí ele estava na primeira fila e eu lá para trás. Agora separavam-nos poucas cadeiras na mesma fila, e eu olhei para ele e fingi que não sabia quem ele era, e ele olhou para mim não sabendo mesmo quem eu era. Tive que ir lá fora, e quando voltei, o meu lugar tinha sido ocupado - havia um ao lado dele. E aí fiquei.

A nossa história começou assim, a ouvir a mesma canção. Uma e outra vez. Um dia deste-me a mão num desses concertos que alguns dos meus amigos me gozavam por ir - mas tu não. Tu percebias-me. Se calhar foi aí que começou tudo. As conversas, os almoços e os jantares, o tempo infinito sem ver a minha família até que tu vieste pedir desculpa ao meu pai, mas que a sua filha, como é que lhe hei de dizer isto, é a minha pessoa preferida no mundo e já agora, deixe-me levá-la outra vez que já estamos atrasados para outra coisa. Os teus amigos acharem-me todos a maior graça por ser mais nova tantos anos (quantos é que são, mesmo? 14?), mas o que é que isso importa, olhem o Douglas e a Zeta-Jones; e os meus amigos estarem completamente confusos por seres tu, estarmos em casa e lá fora a chover, e enquanto eu estudo qualquer coisa cheia de números tu escreves, e sei que é sobre mim, e que quando o mundo inteiro ler na coluna do costume vou ficar tão orgulhosa de ti, e vaidosa por ser eu. E com tanta coisa escrevermos em todo o lado, que F e S já se sabe, e corações, e os cães com isso atado nas trelas, e as vizinhas ai-jesus-que-uns-malandros-pintaram-a-parede-com-uns-códigos-esquisitos-devem-ser-ladrões-só-pode. E que ninguém nos diga nada, que nós não vamos ouvir. Que ninguém tente chamar-nos à razão, que não vamos querer saber. Porque para ti eu sou sempre a mais linda, quer esteja debaixo do edredon gigante acabada de acordar ou pronta para ir contigo a uma daquelas galas que tem que ser. E as revistas querem o exclusivo, e nem Caras, nem Lux, nem nada, não falamos, desculpem lá, vejam as evidências. Estava literalmente em toda a parte. Até que um dia, foi como tem que ser, e eu precisava de crescer, e de ver o mundo, e de seguir a minha vida, e tu tinhas que continuar como estavas, e assentar de vez, porque isto quem está nos 30 e até perto dos 40 é diferente de quem tem 21. E assim foi, muito drama, muito choro, agora é que é, só mais um dia, uma hora, um minuto que seja. E quando te foste despedir de mim ao aeroporto disseste que nunca te ias esquecer. De nada. Porque mudei a tua vida. Porque foi tão importante. Porque as torradas que eu fazia eram as melhores do mundo, e porque mais ninguém bebe vodka com sumo de laranja da mesma maneira que eu. Porque íamos gostar sempre um do outro, de maneira diferente, mas sempre sempre - e era verdade. Anos mais tarde voltámos a ver-nos e percebemos que íamos ser sempre amigos. Que íamos estar sempre na vida um do outro, porque o que se passou não se apaga, mas precisamente por isso. E agora já te casaste, e tens dois filhos e ias levá-los ao colégio inglês, e eu estou noiva, anel da Tiffany's no dedo e tudo, e damo-nos todos bem, como gente crescida que de facto já somos. E dessa outra altura em que nem tudo eram sorrisos e conversas de circunstância, só me lembro do que escrevias. Do que escrevias, que era para mim.

Hoje tive mesmo vontade de ir falar com ele. Mas estava tão concentrada na música, e nos meus devaneios mentais, que me passou. Vi-o à saída outra vez, e pensei como é que era possível achar-lhe tanta graça. Deve ser do que ele escreve. Só pode ser disso.

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