Monday, May 03, 2010

o desnexo das possíveis mensagens subliminares

Era uma vez, há não tão pouco tempo como isso, uma menina muito linda de seu nome... Não nos prendamos com coisas tão mundanas como o nome, que é completamente irrelevante. Esta menina era como aquela da música, a que tinha um little lamb, e também ela tinha um carneirinho. Perdão, disse carneirinho? Queria dizer cordeirinho. Branquinho e tal. É que de onde esta menina vinha, os contos de fadas eram outros - para se ser uma princesa tinha que se beijar, não um sapo, mas um carneiro. Cordeiro, digo. Só que neste caso, tinha que se arranjar o tal cordeiro, tratar dele, alimentá-lo, dar-lhe atenção, fazer-lhe companhia, essas coisas. Escusado será dizer que os animais falavam na altura desta história.
A menina e o cordeirinho eram muito felizes. Só que um dia - infortúnio - os pais dela, o rei e a rainha, tiveram que ir a um país muito distante, e a futura princesa teve que deixar o cordeiro no reino. Nada de mal te vai acontecer, disse-lhe ela, eu volto, é só chamares-me que eu arranjo maneira de entrar em contacto, atravesso o mundo, o que for preciso. Ok.
Entretanto, e para não deixar o seu cordeiro ao Deus-dará, a menina-princesa decidiu deixá-lo ao cuidado de uma associação que lhe daria uma pessoa responsável por tomar bem conta dele. Era de total confiança, porque era dirigida por um grupo de respeitáveis tias-avós solteironas e meninas pretendentes a esse posto, ou seja, tudo gente que não queria saber de carneiros, digo, cordeiros, para nada. Posto isto deixou-o, despediram-se, e a tia-avó mor escolheu uma menina cheia de potencial, que só queria saber de livros e música e cujo timer - se tal coisa houvesse - estaria certamente nos zeros.
Essa menina passou então a tomar conta do cordeirinho: a princípio porque fazia parte do seu voluntariado na associação, mas depois acabaram por ficar amigos. A menina, que tinha imensa graça, divertia o cordeiro com piadinhas, levava-o a passear, cantava-lhe músicas e claro, como era muito culta, cultíssima, costumava escolher uns livros para ler ao cordeirinho, que a ouvia muito atentamente, porque, claro, com este tempo todo acabou por se afeiçoar a ela. Ela tratava-o bem e ocasionalmente dava-lhe comidinha fora do plano de dieta, torradas e por aí.
Passou-se algum tempo e a menina-princesa voltou, ansiosa por reencontrar o cordeirinho, que ficou todo contente por finalmente voltar para a sua futura princesa. Esqueceu-se - detalhe! - de a informar que lhe tinha sido designada uma menina como protectora, e não uma das tias-avós de verruga no nariz. Não era importante. Ou melhor, era, porque assim que a princesa descobriu o cordeirinho, coitado, tão inocente na sua cordeirice, teve muito que explicar do aparentemente óbvio. Mais ainda porque ele tinha guardado um papelinho com uma frase que a outra menina lhe tinha lido, de um livro do Camões: «Finalmente, veio-me a descobrir que me não queria mal, que foi pera mi o maior bem do mundo; que eu estava já concertado com minha pena a sofrer por sua causa, e não tenho agora sujeito para tamanho bem.». O cordeiro não percebia muito bem o que isto queria dizer, mas achava bonito e portanto ficou com o papel. A princesinha percebia muito bem o que é que isso queria dizer e vai de mandar revirar o reino à procura da outra patifa, afinal afinal, tão boazinha e altruísta e aparentemente desligada de cordeirinhos, tinha que ir logo deitar a pata ao dela com prosa arcaica? Não podia ser.
Então, mandou chamar a sua crew da pesada, da polícia do reino, para lhe passar uma multa por comportamento inapropriado e outras coisas que tais. Mais ainda - ordenou que lhe fosse retirada a sua mota e mandou-a andar a pé. A miúda, que de parva também tinha pouco, percebeu o que é que se estava a passar. E sabia, como tinha lido no livro mais conhecido do Maquiavel, que uma guerra não se pode evitar mas sim, apenas adiar, com vantagem para outrem. Foi portanto falar com a princesa e, apesar de não saber o que havia de esperar, disse-lhe que até era vegetariana e que cordeirinhos não eram bem a cena dela. Pairou uma certa desconfiança no ar, e acharam por bem resolver o assunto jogando boxe na Wii uma contra a outra. Umas aulas de yoga depois, as coisas ficaram esclarecidas, e end of story.
Hoje em dia, se passarem por lá, podem perceber que o carneirinho se tornou num príncipe-rei mais mansinho que nunca e que está tudo em paz no reino. A princesinha é agora a rainha de copas e escreve novelas e longas-metragens em part-time, daquelas que têm 1001 reviravoltas até chegar à cena final. A outra miúda, querem saber vocês? Continua a ler os seus livros e a ouvir as suas músicas, e a mandar cartinhas com check-lists para personalidades conhecidas da nossa praça. Da praça deles, digo. Há quem diga que está lentamente a ficar maluquinha. Eu cá não acho. Se bem que de vez em quando oiço umas histórias de que ela anda a maquinar uns planos de que nem o Chuck Bass se lembraria. Por causa do carneirinho? Não, que nunca mais falaram, e agora nem o reconhecia se o visse. Além de que nunca tencionou entrar nesse mercado, tão claramente monopolizado - o dela era outro, e sejamos sinceros, não vale a pena entrar por aí, que essa é outra história.

Desculpem, disse carneirinho? Sai-me sempre ao lado, esta.

2 comments:

Rainha Isabel I (amiga de John Dee) said...

Há paz no reino.

No entanto a menina da associação, está cada vez mais perdida, mais conformada, e mais levada pela vida que as tias avós constantemente lhe impingem e fazem querer maravilhosa...
Nem parece a mesma que certo dia solarengo veio ao mundo sob a alçada do centauro, aquela criatura mítica sedenta de conhecimento, novos desafios e a paixão de viajar.
Em vez disso a menina deixa-se levar por toda a excitação que a vida lhe trás, por vezes boa, por vezes má, e descuida os pormenores, aqueles que outros não deixam passar e que a colocam em situações muito embaraçosas. Deixou de lado as suas ambições, o seu optimismo e a procura de novos desafios, ou seja tudo o que velho centauro sempre lhe ensinou e está intrínseco à sua própria existência.

Por outro lado ao desconhecer por completo o seu lado lunar (e sim, nesta altura começa a cantar o Rui Veloso), o mais puro de todos, que a leva a ordenar o que está desordenado, a ter cuidado com o que diz, a ser o mais analítica possível em todas as situações, trabalhadora e ao contrário do que teima em fazer, ser meticulosa, a menina perde-se...

Moral da história, se é que há alguma, as mensagens subliminares estão em todos os lados, em qualquer palavra, em qualquer olhar, em qualquer indiferença, agora é preciso é tentar ver e aceitar como verdade sempre a melhor hipótese possível.

Faz sentido? Não sei.
Faço minhas as palavras de um tal de Boris, Whatever works!



P.S Segundo o sagrado livro, confirma-se que a menina até não está muito longe da sua profissão ideal, embora enfermagem seja mesmo a que lhe cai que nem uma luva!

sara said...

Estou a ver que não foi preciso fazer um scan do fantástico livro!
Acho que o problema é de facto a (des)atenção aos pormenores... É que tal como disse uma vez, é preciso ter muita cautela com os detractores - e coitada, esta tem imensos. Dizia o Maquiavel no mesmo livro que "Todos veêm bem o que pareces, mas poucos têm o sentimento do que és – e estes poucos não ousam contradizer a opinião da maioria.", o que junto com o sábio conselho do Spínola faz com que se tirem algumas ilações interessantes...

Se calhar, o Rui Veloso devia ter entrado nesta história. Faltava aqui uma banda convidada, quem sabe podia ter sido ele! Next time around, que esperemos que não seja preciso, chamo-o para dar aqui uma palavrinha.

Fez muito sentido - infelizmente, enfermagem não é a minha praia. Já cá temos uma em casa!

P.S. como é que sabes que estava sol, no dia em que eu vim ao mundo? Cá para mim, há aí ratice e espionagem!