"Mas se o Miguel voltasse, voltava a encher a minha vida, mesmo que fosse só por uma semana, uns dias, uma noite apenas... se o Miguel voltasse, sentia-me outra vez viva, e isso já era tudo, mesmo sabendo que, depois da partida dele, nada será como dantes, mesmo sabendo que não faço parte das escolhas dele, mesmo sabendo que o Miguel tem alma de pássaro e nunca se há-de fixar em ninguém, e que, por isso, não lhe posso confiar o meu coração. Mesmo sabendo tudo, eu voltava a estar com ele. (...) Já não me lembro do mal que ele me fez, da forma cobarde e infantil como se foi embora. O Miguel voltava e eu abria-lhe a porta com o mesmo sorriso. (...) a cada instante que passa, sinto que ele pode voltar, que ele vai voltar..."
"Deus ouviu as minhas preces. Deus ou qualquer outra entidade divina. O Miguel está aí a chegar, o Miguel voltou (...). O Miguel está outra vez perto, o Miguel, se calhar, ainda gosta de mim. (...) Podias demorar mais uma hora ou duas, Miguel, para mim era o mesmo. O mundo vai parar de qualquer maneira quando tu chegares (...) Já não lhe tenho raiva, nem ódio, a tristeza foi-se embora. (...) Vou abrir a porta a alguém que já ma fechou na cara, mas não me importo. Quero o Miguel, quero vivê-lo e respirá-lo em todos os instantes que a vida me deixar. (...) O Miguel está aqui, o Miguel, o meu Miguel."
"Mas eu já entrei no jogo, não pergunto nem insisto. Se vier vem, se não aparecer, paciência. (...) porque ele é mesmo assim, e como nunca tive razões para não confiar nele, e o adoro, jogo o jogo que ele quer, porque é o único que posso jogar."
"Estou estupefacta com tudo o que estou a ouvir. Aliás, estou tão estupefacta que nem quero acreditar. (...) Se estivesse no meu perfeito juízo, partia-lhe a cara a ela e a ele, mas, como já me pus fora de mim e me sinto mais ou menos um detective a trabalhar a soldo por uma causa alheia, mantenho o sangue frio e continuo a conversa. (...)
Isto é muito bom. Eu tinha que viver para isto me acontecer. A sério. Isto é do melhor que já vi. (...) Não sei o que pensar, o que dizer, o que sentir, não sei nada, nem quero saber. (...)
O Miguel não me podia ter feito isto. Nunca, desta maneira. Não me podia ter mentido desta forma, ou, pelo menos, ocultado a verdade. Não lhe perdoo. Isto, não lhe posso perdoar. Não pode ser o mesmo Miguel. (...) Não pode ser. ISTO NÃO ME PODE ESTAR A ACONTECER."
"Se calhar, é por isso que nunca me apaixonei a sério por ninguém. (...)
- Tu sabes que ela ficou na merda quando te foste embora, não sabes? (...)
- Sei. Mas não penses que tenho remorsos, ou uma merda dessas. Eu nunca lhe prometi nada.
- E agora?
- Agora, não sei. Mas não vou voltar.
- E já lhe disseste?
- Porquê? Achas que ela não sabe? (...)
Foda-se. Estas merdas não me podem acontecer. Isto não é possível.
- E, a esta hora, ela já deve saber...
Ok. Isto vai de mal a pior, mas se calhar eu até mereço esta merda. Se calhar sou mesmo um filho da puta e vou-me lixar à força toda. (...)
- Seja como for, sabes como são as mulheres, têm aquela mania da merda da frontalidade.
Pronto, estou fodido. Agora é que estou mesmo fodido. Se a outra puta lhe contou, ela nunca mais olha para a minha cara e acabou-se tudo. (...)
- Pode não ter contado.
- Pois pode. Mas tu podias ter-lhe contado. Assim, poupavas-te a esta merda.
- Mas para que é que eu lhe ia contar? Tu não sabes como é? Quando uma gaja não tem importância nenhuma, um gajo conta aos amigos, não conta à namorada. Só ia servir para ela ficar ainda mais furiosa comigo, e já lhe fiz mal suficiente, merda, merda, merda. (...)
Conto-lhe como tudo aconteceu, explico-lhe como me sinto, e que nunca lhe quis fazer mal, (...) que, se pudesse, dava-lhe tudo o que ela quer e merece, mas não posso porque não sei. Porque não é isso que eu quero (...)
- Isto é uma merda, Duarte. Eu gosto mesmo dela, percebes? Eu gosto dela como pessoa, a última coisa que queria era magoá-la.
- Mas já magoaste. (...)
Gajas. Fodem-nos mesmo a vida. Mesmo quando gostamos delas e elas de nós, dá sempre merda. Estou mesmo chateado com isto tudo. (...) Omiti-lhe uma coisa que não tem importância nenhuma e, agora, passo por mentiroso e filho da puta. Mas ela vai perceber. Ela é inteligente, ela TEM que perceber (...) Não posso, não quero, não vou deixar que, por uma merda destas, eu a perca como pessoa."
"Só a ideia de ouvir a voz do Miguel dá-me vómitos. Ontem à noite, depois de tudo, ainda me enfiei debaixo do duche meia hora, esfreguei a pele, mas a sensação de nojo continuava entranhada e chorei até ficar rouca e com a cara manchada. Acho que só o tempo vai resolver esta história, mas a tristeza voltou outra vez e agarro-me a ela para não ter que pensar. (...) Há limites para tudo, e eu estou a chegar ao meu. (...) E o pior é que não estou sequer em estado de ouvir recriminações e o clássico, eu bem te disse, que tanto me irrita. (...) Mas vai ser muito difícil falar com ele sobre isto tudo, confrontá-lo com a história (...) - que eu sei que nem sequer teve importância nenhuma mas que me recuso a engolir - e sobre tantas outras coisas que nos unem e nos separam. (...)
- Mas eu gosto tanto dele!
- Eu sei. Ele é que não gosta de ti da mesma maneira, e tu tens que aprender, duma vez por todas, que não se pede amor a ninguém, nem se dá a quem não merece. (...) Tens que ser mais sensata e mais cautelosa. É só isso.
É só isso. Como se fosse pouco. (...)
- Ele já não te pode magoar mais, pois não?"
Margarida Rebelo Pinto - Alma de Pássaro
2 comments:
O livro de q eu li uma página enquanto lavavas os dentes no dia do baile de gala antes da discoteca? :)
esse mesmo livro :) ah, amote!
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