Wednesday, February 16, 2005

"don't waste your time on me you're already the voice inside my head"

Era uma vez uma menina. Outra menina, diferente das outras que já vos falei. Esta menina podia dizer que era feliz. Não completamente feliz, isso acho que ninguém é, mas era feliz. Tinha tudo o que qualquer um de nós pode pedir para si. A menina gostava de ouvir música e de cantar, de ler e escrever, de saír, de andar por aí com os seus amigos que, digo-vos já, eram mesmo dos melhores que por aí havia, não substimando os amigos dos outros, claro. A sua vida era, arrisco-me a dizer, quase perfeita.
Só que quando chegava a noite, e a menina ia para a varanda da sua casa pensar na sua vida e nas coisas que fazia, sentia que faltava alguma coisa. Está certo, tinha tudo o que queria. Mas será que era mesmo isto que ela queria? Por fim, acabava por se convencer que era a monotonia que a deixava assim. E no dia seguinte voltava como dantes, a passear, atrofiar, rir com os amigos, com quem ela não queria partilhar esta ideia, e nem ela sabia bem porque é que não o fazia. Mas era algo que não lhe saía da cabeça.
Um dia em que vagueava sozinha, encontrou um menino. Este menino era absolutamente diferente de todos aqueles que a menina já tinha conhecido. Parou o seu caminho para o observar. Ele estava distraído com qualquer coisa, só algum tempo depois é que reparou na menina. Parou e olhou para ela. Ficaram assim pouco mais de uma milésima de segundo e a menina sorriu. O menino estranhou o sorriso, como se nunca ninguém tivesse sorrido assim para ele, ou talvez por se aperceber que se calhar esta menina tinha qualquer coisa que todas as outras que ele conhecia não tinham. Sorriu depois, e apresentou-se à menina.
Os dias passaram, as semanas e os meses também, e o menino começou a ir ter com a menina e ela com ele muitas vezes. A menina gostava simplesmente de se sentar e de ouvir o menino falar. Ele falava-lhe das coisas da vida, da sensação de acordar e estar feliz simplesmente por ter acordado, do pôr do sol na praia e de ver a lua deitado na relva, contava-lhe histórias de coisas que ela nunca tinha visto e sítios a que ela nunca tinha ido, mostrava-lhe as cores e os cheiros das flores, fez com que ela aprendesse a apreciar as pequenas coisas a que ela nunca tinha dado atenção, e muitas que ela nem sequer sonhava que existissem. Ela ficava fascinada com tudo o que ele lhe dizia, aprendeu que a vida dava mais voltas do que aquelas que podíamos sequer tentar imaginar, que podia fazer tudo o que queria, bastava acreditar em si mesma. O menino fazia-a sorrir, ela passou a admirá-lo pelas suas reacções e respostas quando ela lhe contava as coisas que a afligiam, e que os seus amigos resolviam apenas com um abraço, um beijinho e um tantas vezes ouvido "vai ficar tudo bem!". A menina passou a escolher arriscar sempre, não ter medo de tomar decisões e de tomar a responsabilidade delas, se alguma coisa corresse mal. Aprendeu a rir e a chorar. Cada dia que passava, a menina chegava a casa e já não ia para a varanda pensar no que seria que lhe faltava. Ia pensar no tal menino, nesse menino que se atreveu a aparecer, a chamar a sua atenção e a fazê-la gostar dele. Porque ela gostava dele. Era por isso que ele não lhe saía da cabeça.
Quando se apercebeu disto, a menina pareceu achar impossível, impensável, gostar do menino. Mas quando ia ter com ele sentia que já não conseguia falar, e que era só naquele momento em que estavam os dois é que tudo começava a fazer algum sentido, que as suas dúvidas podiam ser esclarecidas. Falavam sobre tudo, como antes, menos deste assunto. Perante isto tudo, a menina pensou que a única solução era afastar-se. Talvez tratando o menino de maneira diferente, aquilo que sentia mudasse também. Então deixou de ir ter com o menino, tentou deixar de pensar nele, quase conseguiu. O menino pensou que ela tinha mudado, que tudo o que tinha pensado que ela era afinal tinha sido um erro, e afastou-se também da menina.
Até que depois a menina apercebeu-se que era impossível continuarem assim... Então decidiu voltar a falar com o menino e finalmente contar-lhe tudo o que a preocupava. A menina não sabia como é que o menino iria reagir. Tinha medo da sua reacção. Medo de perder o menino para sempre. Mas não podia ficar calada. O menino percebeu que a menina lhe queria contar uma coisa importante, mas não sabia ao certo o que era. Ok, sabia. Sabia, porque também ele sentia a mesma coisa. Porque também ele via a menina como única, também ele sabia que gostava da menina. E principalmente, também ele tinha dúvidas quanto à maneira de lidar com isso.
Escreveu uma frase no papel, pôs o papel no bolso e foi falar com o menino. Ela queria dar-lhe o papel mas simplesmente não teve coragem. Falaram de imensas coisas, mas nada que resolvesse o problema que tinham entra mãos. O menino duvidava que a menina valesse a pena, a menina sabia disso e lá no fundo doía. Mas ela não era capaz de lhe dizer isso. Ela também tinha dúvidas, não sabia se estava disposta a perder o menino como amigo para uma coisa da qual só tinha tido a certeza há pouco tempo. As suas dúvidas desvaneceram-se quando pôs a mão no bolso do casaco e encontrou lá o tal papel. Quanto às do menino, não podia fazer nada. Restava-lhe esperar que ele pensasse, afinal ele tinha mais que razões para ter dúvidas. Sorriu-lhe mais uma vez antes de ir embora, e sem reparar deixou caír o papel. Depois de ela já estar fora do alcance dos seus olhos, o menino pegou no papel, leu a frase e desejou que a menina estivesse ainda com ele, que lhe tivesse dado o papel e que tivesse ficado só mais um minuto que fosse. Mas agora também ele já não duvidava.

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