Para si... apesar de não nos conhecermos marcou a minha vida!
Era quinta-feira..quase que conseguia dizer o dia mas não arrisco, foi ha um mês e tal e hoje dei comigo a pensar outra vez em si! Contei o sucedido à minha mãe, que me sorriu e disse "já ouvi essa história, Sara" e foi aí que percebi que tinha que escrever sobre si!
Como já disse, era quinta-feira. Eu vinha da escola sozinha, porque o meu irmão mais novo estava doente em casa... vinha absorta nos meus pensamentos enquanto esperava pelo autocarro no Calvário, tinha vindo acompanhada no 38, mas já todos tinham tomado o seu caminho e eu também o meu. Estava em pé a ver os autocarros passar, as velhas a comentar as vidas dos outros, um ou outro puto saído da escola, o homem da banca dos jornais que continua sempre tão antipático mesmo quando eu lhe peço a vert com um sorriso rasgadissimo (o que como todos sabem, é muito raro), as mães com os miúdos e os mil sacos de compras... a princípio este panorama devia estranhar-me tanto como eu a eles, mas já é habitual àquela hora estar ali aquela miúda baixinha de cabelos castanhos, sobrancelhas franzidas e braços cruzados... já faço parte da paisagem!
Enquanto eu esperava e observava as pessoas, chegou o autocarro.. "ainda bem que é o 60" pensei eu, porque dos dois autocarros que me levam a casa, o 60 sempre é maior e leva pessoas mais... pronto, menos efusivas que no 42. Mas não é só por isso...prefiro o percurso do 60.. Calçada da Tapada, Agronomia, as árvores todas...claro que a dada altura o 60 se cruza com o 42, mas aí geralmente já tenho lugar sentada. E foi precisamente aí que arranjei lugar.
Não era o meu lugar preferido no autocarro, porque eu não gosto dos bancos de 4 pessoas, mas como era no fundo sentei-me. Olhei para a janela e via o mundo a passar por mim (ou eu a passar pelo mundo?) e o meu reflexo nas janelas das casas deste simpático sítio que é a Ajuda...quer goste quer não, isto é a minha casa e já me habituei a ela! Estava ainda a pensar nisto quando decidi tirar os olhos de mim e olhar à volta (também gosto bastante de observar as pessoas nos autocarros), e foi quando olhei para si.
A primeira coisa que vi em si foi o seu lenço atado à cabeça. Percebi que não tinha cabelo e como estas coisas de cancros me têm chamado mais a atenção nos últimos tempos senti logo ali uma simpatia especial por si. Por si e pelo seu lenço azul turquesa, comprido, atado à sua cabeça. Depois olhei para os seus olhos azuis, eram realmente de um azul profundo, cor de mar, de certeza realçado pelo seu lenço.. estava a ler um livro e sorria, sorria com uma calma que eu senti que me invadia ali naquele instante, foi como se não estivesse ali eu mas sim uma Ana mais calma, mais crescida, mais ponderada e essas coisas todas que eu não sou. Dei por mim a sorrir levemente também, enquanto a observava. Olhei para si e a sua cara pareceu-me familiar... então reparei que tinha uma camisola daquelas leves e uma saia, e que ambas condiziam com o seu lenço, reparei que era magra, reparei que as suas mãos eram esguias e que tinha as unhas bem arranjadas, reparei que não usava brincos...tudo isto nos 3 minutos em que estive sentada à sua frente no autocarro 60, tudo isto até se levantar e saír, com a maior calma da vida, como se estivesse a caminhar sobre nuvens, como se não estivesse na terra mas sim noutro sítio qualquer.
Lembro-me que quando cheguei a casa me esqueci de si, concentrei-me como seria de esperar em mim e só em mim, nos meus problemas, nas coisas que me faziam feliz e isso tudo... em resumo, não me lembrei mais de si enquanto estava em casa sozinha no meu quarto, a organizar a minha vida. O que aconteceu depois foi, depois de a minha mãe chegar a casa, quando estávamos a jantar e eu olhei para ela, com o seu lenço na cabeça, não azul como o seu mas sim branco, com o mesmo sorriso, com a mesma força invisível que eu vira em si naquele autocarro, julguei ver nela a sua cara (ou será que vira antes a dela em si e não me apercebera?), e a minha mãe não é nada parecida consigo! Sorri-lhe e soube que tinha mudado de certa maneira! Disse-lhe então "Mãe, tu nem sabes o que é que me aconteceu hoje no autocarro 60" e enquanto lhe contei a história a minha mãe não disse nada, sorriu no fim e depois tirou uma conclusão das dela, que já não me lembro qual foi.
Hoje, um mês e tal depois, a meio do jantar lembrei-me outra vez de si. Não sei se foi por a minha mãe usar o mesmo lenço, mas dei comigo a pensar qual seria o livro que estaria a ler naquele dia, se foi para sua casa, como a sua casa deve ter uma janela enorme com vista para o rio, como deve ter almofadas azuis em casa e talvez um gato persa branco! São pensamentos no mínimo estranhos, mas há uma hora atrás era assim que eu pensava e sorria ao jantar, com a minha mãe a repetir "já ouvi essa história, Sara", o meu irmão a comentar o jogo desta noite e o meu pai absorto nos seus próprios pensamentos (tenho a quem saír) e que só disse um "então para a semana vais para o Algarve não é Sarinha?". Acredito que nenhum dos três tenha prestado atenção àquilo que eu dizia, nem sei se sou para ser muito levada a sério, se alguém alguma vez o fará! Mas sei que isto era uma coisa que eu precisava de escrever! Não sei como é que está agora, como é que vai o seu tratamento, pode até ja ter morrido na pior das hipóteses!
Há tantas pessoas que passam por nós todos os dias e nem sequer olhamos para elas! Tantas pessoas que nos podem parecer insignificantes mas que na verdade não o são! Acho que o facto de se ter cruzado comigo numa das minhas viagens rotineiras e de me ter posto a pensar nestas coisas deve querer dizer alguma coisa, não lhe parece?
Obrigada por isso (não sei o seu nome, nem lhe vou dar nenhum!)
Ana
Tuesday, June 15, 2004
Wednesday, June 02, 2004
Que estranho, estou aqui no blog da Ana e sinto-me esquisito, não é o meu "lar", sinto-me um infiltrado! Não sei o que dizer, podia começar aqui a refilar com todos os imberbes que passam a vida a chateá-la mas, não sei se o devo fazer, pois nada tenho a ver com isso. Devia falar de coisas familiares a ambos mas, não sei o que dizer, podia falar do almoço de hoje no macdonalds e da visita às lojas de roupa foleira mas, penso que isso seja demasiado banal para ser contado aqui neste blog, sim, porque no meu isto seria contado como se de um grande dia se tratasse. "Teoricamente, existe uma possibilidade de felicidade absoluta: acreditar em algo indestrutível em si sem a ele aspirar", mais uma grande citação de Kafka que, resolvi imortalizar neste blog devido ao momento que está a ser vivido pela Ana, porque afinal de contas o que todos procuramos é a felicidade absoluta, independentemente do que os outros pensam ou dizem, com tamanha hipocrisia aplicada nas suas palavras. Já estive a ver o que a Ana escreveu no meu blog, está muito engraçado, acho que vou ficar a ganhar com esta troca nos blogs, sim, porque eu ainda não escrevi nada de jeito desde que me foi dada esta hipótese, de escrever num blog muito superior ao meu.
Bem, já sei que não convém dizer mal dos escuteiros neste blog, sob pena de ser chacinado quando aparecer em público. Não sei mais o que dizer, talvez um obrigado por poder escrever aqui... obrigado Ana (chunga)
JóJó
Bem, já sei que não convém dizer mal dos escuteiros neste blog, sob pena de ser chacinado quando aparecer em público. Não sei mais o que dizer, talvez um obrigado por poder escrever aqui... obrigado Ana (chunga)
JóJó
Tuesday, June 01, 2004
"Duas tarefas no inicio da vida: restringir cada vez mais o teu circulo e verificar constantemente se não te encontras escondido algures fora dele." - Franz Kafka
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